Ana Paula Inácio / Dos poemas

deja que el tiempo haga el resto
cierre ventanas
amanse los barcos
recoja los víveres
siembre la suerte
encienda el fuego
espere la cena

abre las puertas: lee la luz
la sombra, el arte del pajarero

con tres palos
haces una canoa
con cuatro tienes un verso,
deja que el tiempo haga el resto.

*

mañana voy a comprar unos pantalones rojos
porque no tengo rigurosamente nada que perder:
he contado, uno a uno, todos los peldaños
sé las vueltas que le di a la llave,
subrayé las frases importantes,
he podado los cedros,
he codificado todo lo escrito.

mañana compraré pantalones rojos
fijaré el calendario agrícola
afilaré los cuchillos
ensayaré un número
abriré el libro en la misma página
descubriré alguna pista.

Ana Paula Inácio (Oporto, Portugal, 1966), "Poesía portuguesa", revista Zurgai, Bilbao, diciembre de 2004
Traducción: José Ángel Cilleruelo
Envío de Jonio González

Ref.:
3 Reinos
Instituto Camoes


deixa o tempo fazer o resto
fechar janelas 
aplacar os barcos 
recolher os víveres 
semear a sorte 
acender o fogo 
esperar a ceia

abre as portas: lê a luz 
a sombra, a arte do passarinheiro 

com três paus
fazes uma canoa
com quatro tens um verso, 
deixa o tempo fazer o resto. 

(de Vago Pressentimento Azul por Cima, 2000)


*

amanhã vou comprar umas calças vermelhas
porque não tenho rigorosamente
nada a perder: 
contei, um a um, todos os degraus
sei quantas voltas dei à chave, 
sublinhei as frases importantes, 
aparei os cedros, 
fechei em códigos
toda a escrita.

Amanhã comprarei calças vermelhas
fixarei o calendário agrícola
afiarei as facas
ensaiarei um número 
abrirei o livro na mesma página 
descobrirei alguma pista.

(de Vago Pressentimento Azul por Cima, 2000)