[Fragmento]
Al volante del Chevrolet por la carretera de Sintra,
a la luz lunar y al sueño por la carretera desierta,
conduzco a solas, conduzco casi despacio, y un poco
me parece, o me esfuerzo porque un poco me parezca,
que sigo por otra carretera, por otro sueño, por otro mundo,
que sigo sin que haya Lisboa atrás dejada o Sintra a la que llegar,
que sigo, ¿y qué más puede haber en seguir sino no parar, proseguir?
Voy a pasar la noche en Sintra por no poder pasarla en Lisboa,
mas cuando llegue a Sintra me apenará no haberme quedado en Lisboa.
Siempre esta inquietud sin propósito, sin nexo, sin consecuencia,
siempre, siempre, siempre
esta desmedida angustia del espíritu por nada
en la carretera de Sintra o en la carretera del sueño o en la carretera de la vida...
Maleable a mis movimientos subconscientes del volante,
galopa por debajo de mí conmigo el automóvil prestado.
Sonrío del símbolo al pensarlo, y al girar a la derecha.
¡Con cuántas cosas prestadas voy yendo por el mundo!
¡Cuántas cosas que me prestaron conduzco como mías!
[Alvaro de Campos]
Fernando Pessoa (Lisboa, 1888-1935), Los autos (Poemas a cuatro ruedas), Ediciones en Danza, Buenos Aires, 2017
Traducción de César Antonio de Molina
Foto: Último retrato de Fernando Pessoa (1935). J. G. Simões, Vida e obra de F. Pessoa: Historia duma geração, Bertrand, 1950
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...
Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
(...)
11-5-1928
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 Arquivo Pessoa
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...
Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
(...)
11-5-1928
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 Arquivo Pessoa
Hace 20 años que conocí este poema y me sigue facinando,lo escuché en el programa argonautica de Jordi Soler y parece que la nostalgia me invade porque yo también me dirijo a esa Sintra que aún no encuentro
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